quarta-feira, 23 de março de 2016

Chumbo, Ouro, Flores e Amuletos

Um presente de chumbo, dado entre meios de aços invertidos, que convertem na divergência. Um pedaço de asfalto que escarro pela boca, me atravessava a garganta que abriga minha voz fina e trêmula, por tanto aguentar pedrada, quando insisto em continuar atravessando. Atravessa em mim o eu profundo, tão inocente como quando sou apenas um átomo. Sigo, carregando uma pele em erupção, me revestindo de bolhas de fogo purulentas que cintilam, me abrigando de flores e falso ouro e amuletos mitológicos. Me presenteiam com maçãs apodrecidas, jogadas ao chão enquanto caminho, como uma oferenda ao meu escárnio, eu sou aquela que come ao lado de eva, o feminino é o pecado original. Envergo e me aproximo tanto ao chão que penso que mais um passo e quebraria todos os meus dentes, com essa força que me exorciza e me mantém imaculada. Serpentes não atravessam meu ventre, intacto, ele sangra. Como sangro em cada esquina, pavimentada e rebocada, de azulejos coloridos e com buracos de balas, atravessando a noite numa corrida assimétrica entre minhas pernas e meus pensamentos. No meio, o medo, me fazendo tropeçar. Mais um dia que gasto poesia dentro, silenciosa, silenciada, se transformando em mim feito corpo apodrecido e enterrado, mais um dia que vou abrindo à bofetadas um outro caminho que me caiba. Devolvo esse chumbo que me pesa o bolso e me estanca, sigo atravessando.

terça-feira, 22 de março de 2016

Erótico I

Que gostoso gozar no teu ouvido, encharcando de saliva os sentidos, deslizar e encontrar teu pau duro com as mãos, afundar a língua quente e te penetrar no mundo dos sons de minhas poesias absurdas e gemidos. Sussurro que quero mais. A boca salivando te faz gotejar, pingo a pingo, vou sentindo como é doce e amargo teu sabor. Te afundas em minha boceta com teu pênis entrecortante, de uma fúria lenta, que me dissolve pouco a pouco.  Descamando no lençol que manchamos retiro minha segunda pele e é só agora que minha nudez faz sentido. Me tomas em teus braços e vejo tua pupila se abrindo pra eu entrar com mais um gozo escorrendo pelas coxas, amoleço, mas ainda vibramos. Engraçado como as pontas dos dedos parecem ter mil olhos, mil línguas, mil sensores pra te absorver. Suspiramos no último movimento líquido e transbordamos.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Qual dor fica mais bonita na vitrine?

Ando tão seca
que qualquer escarro sobre minha pele
evaporaria instantaneamente
sugando todos os átomos líquidos
Ando tão vazia quanto um buraco negro que tudo quer engolir pra se tornar escuridão
inerte, amorfa.
Ando apodrecendo nas esquinas dessa casa suja
a poeira adentra meu olfato apenas pra me fazer espirrar
assim me movo, de um lado a outro da cama
Já tentei de tudo
drogas, religião, sexo, ler, terapia, acreditar nas pessoas
mas não preenche esse vazio que sinto
e me espanca tanto
que o corpo não lateja, já estou dormente
A única coisa que se aproxima de uma pretensa salvação é escrever
escrevo como uma amputada
como uma faminta
como uma esquizofrênica
como uma histérica
como uma pagã
como uma mulher
Se eu pudesse dizer todos os verbos que conheço, eu faria sentido?
Você me compraria se visse minha dor exposta numa vitrine?
eu nem sou tão bonita assim
nem tão feia
Você ainda me amaria se me visse chorar?
A dor que carrego pesa os ombros e os olhos
e por isso fecho os olhos pra não ver
pra não enxergar a minha impotência
a minha solidão
pra não sincronizar com as dores alheias
os deixo morrer nas esquinas dessa cidade feia
enquanto me consumo em silêncios que devoram meus órgãos e minha vitalidade
nas esquinas desse quarto emaranhado
há três semanas não troco os lençóis.