quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Conte-me um segredo que eu não saiba

Dentro dessa caixa há um segredo sujo e febril
de noites insones
de noites desgastadas
gastas em suor
impregna a língua quente
a pele se dissolve no céu da boca
Há aqui o registro de um ataque epilético
de uma demonstração leprosa de afeto
a carne lateja, forte e duramente
entra em colapso com os cinco sentidos
E o que é o sentir?
Dentro dessa caixa há um desejo incendiário
o desejo de mais
há fome
por algo que perfure
algo que penetre
que aprofunde
que machuque
que transborde
algo que vicie.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Notas sobre ele

lembranças carcomidas por um surto de mofo e cupim
quinquilharias das mobílias velhas de um quarto
que um dia abrigou nossas juras de amor falsas
cada vez que entro no quarto
sinto o cheiro em carne viva
entranhado
apodrecendo no olfato
vejo o movimento das coisas
pressinto com os sentidos
vejo vultos fazendo sexo como se fossem cegos
percebo que cada parede tem uma frase tua
algum olhar fixado, como se fosse um quadro
não vou mentir que sempre abro o quarto
na tentativa de desvendar teus mistérios
pra mim já antigos
mas acabo lembrando das fotos que fiz na cabeça enquanto dormias
ou enquanto esperavas a última cena
saio cambaleando, como se tivesse embriagado
tropeçando no passado
mas assim que fecho o quarto, rezo pra nunca ter amnésia.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

É filha de quem?

Nasci de uma parideira de quadris largos
meu primeiro banho foi dado por uma benzedeira que morava ao lado
Desde pequena nunca tive a sorte que gente bonita tem
mas minha mãe me amostrava pro mundo como uma princesa
eu sempre ia vestida de branco
ela dizia que eu era um anjo que alumiava o céu negro de todos os dias dela
Eu vivia de pés descalços
mas bicho geográfico só peguei uma vez na vida
coçava feito o demônio!
como aquilo tão pequeno abria caminho na minha pele?
Eu devia ser igual àquele parasita no tecido do mundo
Eu sempre andei devagar, mas meus olhos sempre estavam em chamas
deve ser por isso que são tão pretos, queimados
porque já tinham pegado fogo nas outras vidas que tive antes de nascer
Eu sempre lembro da minha mãe me anunciando no beco
gritando meu nome pra comer um feijão preto sem gosto que ela fazia
Nasci filha de parideira
das pernas finas
que trabalhava o dia todo e em casa mais ainda
por isso que é largo o meu amor por ela e por toda aquela inocência bruta que nos arrudiava.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Notas sobre ele

Efeito esterilizador
pra uma dor estéril
Cada vez que me tocas
adoeço em febre
um nervo se obstrui
E depois que adormece teu pênis já pálido dentro de mim 
temo que me lavar não será suficiente
pra apagar teus vestígios
A olho nu
enxergo com microscópio
vejo todas as feridas
tenho um rombo no ego
O que sobrou de você 
apodrece no ventre
é a tua mentira que meu corpo tanto deseja
É louco achar que sempre engravido de você?
É um feto lindo que aborto
que nunca existiu
Me sinto infectada 
morando em sonhos dilacerantes
que me rasgam a pele
E por mais que eu me lave
que troque os lençóis
que lave a roupa que sujei
ainda estás lá
impregnado no quarto
Sempre voltas pra me manchar
pra me alimentar em doses homeopáticas com um amor dissimulado

domingo, 10 de janeiro de 2016

Abutre

Venho perseguindo ratos medíocres
espíritos zombeteiros bêbados
venho caindo na graça dos esgotos a céu aberto
meu coração é uma viela
e faz tempo que o carro do lixo não passa por lá
Estão amontoados todos os corpos que amei
já sem vida
sobrepostos, empilhados um sobre o outro
e as lágrimas que um dia chorei por eles tornaram-se chorume
A escuridão me fascina tanto que não há luz nos caminhos que persigo
tenho uma fome corrosiva por todas as mentiras
compro mentiras, pago com o corpo por elas
Saio farejando em busca de uma sobrevida
de um moribundo
porque sei que assim não teremos muito tempo juntos
que eu me machucaria com o fim já próximo
Eu vivo com os fins, o começo é só uma lembrança distante
um sonho supérfluo
porque o meu amor é aquele de febres e solidões
não sou melhor que um abutre

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Notas sobre ele

Derreto, escorre, vira rio,
com o riso viro mar.
Me tiras ao avesso, me desdobras,
me pega, me puxa,
me atiras ao labirinto dos lençóis mais macios que minha pele já sentiu,
que é quando tua pele toca a minha.
E aí começo a gotejar, me derramo,
me esparramo, transbordo,
até que você começa a navegar,
e aí eu rio por dentro,
meu corpo começa a gargalhar,
trêmulo, ele dança.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Odeio legendas de romances

Não vou me culpar pelas histórias de amor não vividas, eu sou de domínio dos astros, da terra, dos ancestrais, do mistério antigo, eu não vou me culpar se sei entrar e sair da casa dos prazeres sem anotar o endereço pra poder voltar, ou se tantas vezes eu voltei à mesma casa e a encontrava vazia, sem dono, sem ninguém, só paredes pra exercer minha solidão, algumas vezes bati à porta e só o que tive foi um beijo demorado, cada um do lado do portão, sem poder tocar-se de verdade, eu não vou me culpar pelas histórias como elas são, são histórias todas elas, elas todas cabem na palma da mão, não vou me culpar pelo sim e pelo não, cada história pode ser de amor, de alguma forma ou de outra, talvez todas sejam, não sei bem, eu sei que não há culpa quando o amor morre, quando a paixão morre ou se ela se acende novamente e não vira nada mais do que lençóis amassados numa casinha que alugamos e que de vez em quando nos encontramos lá, como amantes, que nunca poderão estar juntos, que nunca andarão de mãos dadas, eu não vou me culpar se a história foi assim meio torta, mal pintada, sem reboco, sem azulejo, o tijolo também levanta paredes mesmo que não tenham nada que as enfeite, eu não vou me culpar se não tivemos mais histórias, se tivemos só uma, se foi ruim, se tivemos várias mas que nunca teve um fim, que nunca deu em nada, nadinha, eu não vou me culpar se desperdicei o tempo, os beijos, o suor, a saliva, o carinho, o afeto, se o afeto se transformou em desafeto, em silêncios, em indiferença, cada história tem seu valor, não cabe à você que a lê julgá-la, não cabe à mim, personagem de minhas tramas, não valorizá-las, cada história é o que é, e eu sou o que sou em cada uma delas, eu não vou chorar se você nunca mais quiser abrir a porta da tua casa, ou se você até me xingar, não vou me culpar se eu sempre digo sim, cada história tem um lar, mesmo que não seja de amor.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Quando colido em direção aos teus beijos

Eu queria poder escrever em suor, saliva, sêmen e sangue todas as mentiras que você escreveu em meu corpo com o seu.
Queria poder secar aquele lençol que manchamos, secar as imagens, a textura e os beijos que jurei serem apaixonados.
Quantas mentiras há de ser inventadas com as pontas dos dedos?
Escritas nas costas, nas coxas, na nuca.
Por que as mentiras resistem ao calor?
A carne contrai, os corpos entram em negação e na cama fica apenas o amassado dos lençóis,
vestígios da colisão.