quarta-feira, 27 de abril de 2016

diário de viagem

tua saliva tem espinhos
que me atravessam a pele salivante
te descasco em terras febris
com os pés em brasa sob um solo cinza
queimado pelo sol
retiro em camadas a casca grossa
para sugar o suculento profundo
quando me afundo
em tua carne latejante
como esponja
chupando todo teu ato líquido em movimento
me nutrindo e me encharcando
germinando no estômago
gota a gota
a doçura ejaculada
és um cacto suculento no meu ser.tão profundo

quinta-feira, 14 de abril de 2016

em quarentena



em cada dedo, tentáculos, percorrendo fugas sobre tua pele morna, aquecida. e com as pernas suspensas no ar, entrelaçamos o céu e o chão, no ritmo do vento. com as sombras que entram sem permissão pra anunciar partes do seu corpo que acarinho com fôlego, com violência e também com os sonhos. as nuvens tinham sabor e pareciam me tocar quando olhava pra cima, do azul ao vermelho, que borbulha por dentro. alguns sussurros me escapam aos ouvidos, só pra ecoarem e se dissiparem com os átomos que dançam no tempo, pra afastar a distância entre as mãos. ritmo, pulsa. ritmo, segura. ritmo, solta. aquele momento que precede a primeira gota a cair e começar a chover com os braços abertos, mas o coração permanece costurado entre os pulmões. pulsando forte, mas sem escapulir. e minhas mãos atadas ao redor da tua nuca, tecendo a prece dos corpos, como que pra continuar a aquecer o que está fervendo e então queimar-se. faz um tempo que só o teu beijo me aquece.
amor inventado, poeta mentiroso.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Peru

Quando eu partia a lua estava tão laranja que parecia arder só de olhar, quando estava atravessando a floresta ela explodiu bem na minha janela e finalmente o céu se ardeu, nesse pássaro metálico que voa descobri a ponte entre as semelhanças. O ar é seco a ponto de ferir e as estradas são tão sinuosas como os caminhos que meu coração decide perseguir, aqui criei novas lembranças e as juntei com as antigas. As estradas são amareladas, como se estivessem pegando fogo e há mares sem fim de montanhas, sinto o vermelho e o sonho borbulhando em minhas pernas. Há tantos lugares que preciso ver, mais do que ver, tocar, sentir. Sempre que viajo reencontro algum pedacinho de mim que outrora tinha deixado o vento levar pra longe. Cidades, pessoas, culturas que fascinam, mas é quando encaro a natureza que minha alma se eleva, meu espírito encontra paz e sei que minha carne faz parte do todo, infinitamente imenso. transbordamentos. Peru é fria e quente, linda e feia, peru não me deixa respirar direito. De gente que coloca a mão na terra, que carrega nas costas as cores de sua cultura, de gente que me lembra do pacto que fizemos um dia com a natureza, de olhos puxados e os cabelos mais negros que a própria escuridão, me lembra o quão sou índia e o quão não sou. Um chamado a uma parte de minha ancestralidade que foi apagada, violentada e esquecida. A mãe terra, e eu me lembro mais uma vez que sou filha da natureza, da terra fecunda, das pedras empilhadas uma sobre a outra em adoração, a vida que respira junto com a minha é minha.