segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Uma fuga

A rua, uma ferida entreaberta
ouço o rangido dos dentes das almas nervosas
paro e absorvo o caos invisível
As ruas manchadas de sangue foram lavadas
balbucio com as mãos
palavras-tato
o asfalto queima no quengo
vejo pessoas se dissolvendo em suor
transpiram pra se lavar dessa agonia
que é ser sozinho com um monte de gente ao redor

Sou uma veia aberta
vazando na rua poesias estranguladas
vazando solidão
corrói o estômago essa fome de gente
Meu deus eu sou bicho!
saio cambaleando nas palavras sutis
de um cotidiano que me arregaça o peito
e arreganha minhas pernas pra foder com minhas entranhas
ah! Eu to vazando na rua!


domingo, 20 de dezembro de 2015

Arames farpados

Me atravessa os olhos com seus arames farpados
me dilacera a carne enquanto flutuo em seu ventre
me pega na mão como uma criança que sabe que não pode atravessar a rua sozinha
sobrevoo seus sonhos translúcidos febris
sua febre me consome
Rodopiamos em cima de brasas e isso nos faz rir
Meus olhos queimam e a única coisa que vejo é o céu azul me consumindo.
Ouço como numa lembrança antiga o seu riso, vem de longe
E eu sigo rodopiando com meu vestido branco, encharcado de saliva.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Azul

Aterrizo em teus olhos a cor da minha solidão
e derramo neles o sabor da saudade
que deixaste entranhado em minhas vísceras salgadas
do mar que engoli tentando te alcançar, tentando atravessar
tentando ancorar no teu horizonte.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Korpus

Meu corpo é uma ruína
Um equilibrista no fio da navalha, que corta, cortante, perfura e sangra
Meu corpo é uma desonra, foge da moralidade alheia
Um labirinto de ruelas com esgoto a céu aberto
Eu sou lama movediça
Vampira, sangue suga de sensações
Minha pobreza é carnal, perecível, eu apodreço em cores vivas
De pele fina e transmutável, tudo me perfura
Desmaio em beijos alados, em corpos sem vida
Meu corpo é uma janela entreaberta pro caos dos astros

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

!!!

na pele
acentua
o teu acento
e a língua
fica presa
salivando
no ouvido
poesias
absurdas

Letters to J.

Não há vazio que precise ser preenchido, 
você entendeu isso,
nos espaços vazios ecoa minha coexistência, 
nele não há confrontos,
senão harmonia, uma infinitude que o tempo e o espaço não podem suprimir,
vagueio sendo múltipla.
Você me toca com sua sensibilidade quando ando desarmada,
nossos espelhos nos permitem ver a multiplicidade,
a sua e a minha.
E assim como você, o hoje é um tempo que é meu,
eu acredito na completude e nos esforços em construir espaços concretos
onde eu possa exercer meu sentimento e minha individualidade, 
isso você também entende, também a buscas,
 por isso saberemos que ir e vir tem um significado não de ausências,
mas de buscas interiores,
 que você pode tocar, ver, mas nunca ferir.
O desejo é que nos esbarremos sempre que possamos no cotidiano de nossas próprias forças!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Quente feito mil sertões

Quantos sertões eu preciso atravessar pros teus olhos virarem mar?
Teu calor deixa minha terra fecunda,
tu é igual um cacto, espinhoso por fora,
mas suculento por dentro,
tu mata minha sede quando nem comida eu tenho no buxo ainda.
Gente que trabalha o dia todo, quando chega a noite e a lua alumia,
ainda faz poesia?
Teu coração nunca pus cercado, delimitava apenas com os dedos,
e te deixava avoar negro, feito urubu, quando tinhas outras fomes,
e só o que eu podia te oferecer era terra!
Enquanto você ia, eu cuspia no chão, doava toda minha saliva,
que era pra ficar tudo florido pra quando voltasses de teus voos noturnos.
E a gente se fundia, ardendo em febre, fazia suar o quarto inteiro,
ele respingava em nós!
Tu era o sol que me aquecia e a lua que me fazia uivar feito lobisomem,
na tua pele colhi as melhores frutas, me lambuzava,
assim como quando a gente encontrava um açude
e a água dava pra beber.
Meu coração é quente feito mil sertões
 e tuas raízes profundas.

Souvenir

Apedrejo com velocidade o sentimento feroz que habita o céu da tua boca, 
a ânsia e qualquer demonstração leprosa de amor colecionável.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Sem ponto final

Com força espanca minha pele, meus sentidos, deixa em carne viva meus pensamentos, pulsa, congestionado, pulsa, pulsa, pisca mais que as luzes da árvore de natal, lateja o que sinto, amputações do ego, do eu em mim, em si, desembaraça meus cabelos, me afoga, me amordaça, me faz grito, grito como quem não tem salvação, como alguém que sabe que vai morrer, e eu sei, morro no cotidiano do avesso, na palava enunciada que é verbo dos loucos, morro aos pouquinhos no asfalto, outro dia paralisada, parei na pista quando o sinal abriu, eles não sabiam que não adiantava buzinar, tinha-me arrancado os ouvidos, os cheiros, o paladar, as memórias dos instantes-relâmpago, dos instantes-trovoada, dos instantes vazios, dos instantes das galáxias distantes que habitei, emudeci palavras que corroeram no estômago até virarem câncer, eu era um grande tumor no mundo, estava em metástase, pronta pra correr desembestada na intravenosa das poesias sem fim, das sujidade das esquinas anônimas, onde também morreram gente como eu, cada membro meu joguei a cada cantos dos quatro cantos que a rosa dos ventos direciona, era um corpo imóvel de vias subalternas, quando me levaram pra calçada eu extravasava, expurgava, eu era uma veia aberta, eu era uma pista ao nada, eu sangrava na ferida da rua, e uma constelação habitava meu céu da boca arreganhado, querendo gritar e cuspir naquela gente hipócrita que me olhava
como eu