domingo, 25 de setembro de 2016

Juízo final

Nojo é um verbo que tirei do meu calendário, assumi o escárnio que os outros descartam em mim e escarro, cada cusparada é fecunda. Sou a palavra aberta, encruzilhada na América, de becos, vielas, ruas asfaltadas e esgotos a céu aberto, tudo queima perto da linha do equador e minha pele morena reluz melanina de sabor intenso. O olho permanece aberto habitando cada palavra desse vocabulário que transgride e assopra e grita, vocabulário mitológico, serpentes, medusas e harpocrate, eros me acerta certeiro no clitóris. Eu sou o horror de cada boca salivante que não beijei, anunciada pela trombeta do apocalipse, e a pomba gira e revira meus olhos pra me vestir de vermelho, boca e sexo, a língua afiada. Essa cidade é um deserto de almas vivas e desabitadas. Deus não me pune, mas me deu o inferno, eu não salvo ninguém, o céu é um condomínio fechado de fichas marcadas. Mas quando a pele arde e me olham torto, entortado mundo dos outros, eu lembro que gemer alto é gostoso, e a benção de todos os santos eu levo no pescoço. Na quaresma tive uma anunciação divina, a natureza dizia 'seja!!! minha filha, como poesia intrauterina e ria e ensine os outros a rir também', agora estou em paz, com deus e o diabo, pelo meu corpo, pela alma e pelo tempo, até o fim das eras.



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